Correio de Carajás

A dieta da mulher que não dispensava nada

MARCOU PARA SEGUNDA-FEIRA o início da dieta. Lacraria a boca. Todo fim de semana se penitenciava na ladainha. Estava redonda e por causa disso, nunca mais havia ficado nua na frente do marido. Nenhuma toalha a abarcava, passara a se enxugar nos lençóis, e mudara, inclusive, de banheiro e sanitário. Contra a vontade do esposo, chegara ao cúmulo de abandonar o quarto.

PASSOU A ANDAR DENTRO da própria casa, somente, se o amor não houvesse por lá. Ou, então, quando o homem de chapéu de couro legítimo chegava em casa cansado do sol quente da fazendo e, após tomar sopinha de legumes ou canja, agarrava no sono. Na frente dos filhos e da criadagem até se permitia. Mas de uns tempos pra lá, nem isso.

MANDOU RETIRAR OS espelhos que existiam nos corredores e cômodos do casarão, parafusou as trancas das janelas e enfurnou-se. Pesada, já não mais se reconhecia alguma coisa. Gorovinhas e gelhas por todo corpo. Dobradinhas e amarrotamentos.

Leia mais:

FEZ ASSIM. CHAMOU a empregada de forno e fogão e mandou que fosse extrema nos temperos. Pratos singulares. Exagerasse além do abuso. Onde coubesse um dente de alho, empurrasse 10 ou vinte cabeças. Salgasse o que já fosse pia, avinagrasse os sucos ao extremo e, ainda, não lavasse a louça que lhe servisse de cocho. Queria ver se a boca ainda a desobedeceria.

O PROBLEMA ERAM OS olhos, maiores que a barriga. Pediu pra ser tratada como o barrão da vara de bácoros do quintal. Depois que todo mundo se satisfizesse, enviasse-lhe pela portinhola de seu pardieiro as porcarias. Sobejos, asas de galinhas já roídas, cebolas rejeitadas, olhos de peixe chupados, restos de osso buco, pirões gelados e feijões com gorgulhos.

PLANEJOU E PEGOU doença das amídalas. Vermelhas em brasa, tinha impressão de haver nascido giletes na garganta. Não desceria nem licor, vitamina de cupu, ou mesmo guaraná de açaí. Nem raspinhas de maçã ou banana batida no leite em pó e Nescau. A gula a aperreava e excitava. Um atrás do outro.

NÃO REGUJITOU NADA. Avesso. Com o mesmo apetite, ou ainda mais medonho, foi engolindo o que havia sido despejado na vasilha. Agora, um tronco de madeira cavado e fundo. Não conseguia mais se acomodar em tamborete que fosse, ficava de quatro – rabo pra cima e fuças atoladas na lavagem. Sorvia, quebrava no dente o que fosse rijo, e lambia o prato apesar da aspereza.

NÃO HAVIA MAIS a esposa do rapaz, mãe de alguns filhos, patroa de uma ou duas empregadas. Como foi deixando até de andar pelas ruas, becos e corredores de casa foi ficando deslembrada. Um dia, por descuido da fazedora de comidas, a porta ficou aberta e a imensa correu para o terreiro. Sumiu no meio da pocilga.

Quando o marido, que ficou viúvo com nove anos de casado me contou a história, lembrei de papai e sua capacidade de comer muito.

Mamãe conta que quando ele era novo abria aposta com os trabalhadores nas colocações do Rio Cardoso, afluente do Tapirapé, que é afluente do Itacaiunas. A disputa partia sempre de dois mutuns castanheiros. Cada um deles tinha de comer um cozido, sem arroz.

Depois de comer a ave, deveria beber o caldo. Depois, a diferença, para saber quem ganharia, a aposta estava no açaí. Quem bebesse mais seria o campeão. E papai nunca perdeu. Além do mutum, ele ainda bebia dois litros de açaí.

Ansiado, ia parar no igarapé, onde permanecia “de molho” por uma hora para ficar aliviado. E de aposta em aposta, o bucho quebrou, anos depois apareceram diabetes, pressão alta, triglicerídeos lá em cima e três AVC’s no espaço de dois anos.

E foi pela boca que morreu. Comeu um frango frito sozinho e foi parar no HMM e depois na Climec. Não resistiu.

Comer é um dos maiores prazeres da vida, mas é preciso fechar a boca antes que fechem nosso caixão tão cedo.

MARCOU PARA SEGUNDA-FEIRA o início da dieta. Lacraria a boca. Todo fim de semana se penitenciava na ladainha. Estava redonda e por causa disso, nunca mais havia ficado nua na frente do marido. Nenhuma toalha a abarcava, passara a se enxugar nos lençóis, e mudara, inclusive, de banheiro e sanitário. Contra a vontade do esposo, chegara ao cúmulo de abandonar o quarto.

PASSOU A ANDAR DENTRO da própria casa, somente, se o amor não houvesse por lá. Ou, então, quando o homem de chapéu de couro legítimo chegava em casa cansado do sol quente da fazendo e, após tomar sopinha de legumes ou canja, agarrava no sono. Na frente dos filhos e da criadagem até se permitia. Mas de uns tempos pra lá, nem isso.

MANDOU RETIRAR OS espelhos que existiam nos corredores e cômodos do casarão, parafusou as trancas das janelas e enfurnou-se. Pesada, já não mais se reconhecia alguma coisa. Gorovinhas e gelhas por todo corpo. Dobradinhas e amarrotamentos.

FEZ ASSIM. CHAMOU a empregada de forno e fogão e mandou que fosse extrema nos temperos. Pratos singulares. Exagerasse além do abuso. Onde coubesse um dente de alho, empurrasse 10 ou vinte cabeças. Salgasse o que já fosse pia, avinagrasse os sucos ao extremo e, ainda, não lavasse a louça que lhe servisse de cocho. Queria ver se a boca ainda a desobedeceria.

O PROBLEMA ERAM OS olhos, maiores que a barriga. Pediu pra ser tratada como o barrão da vara de bácoros do quintal. Depois que todo mundo se satisfizesse, enviasse-lhe pela portinhola de seu pardieiro as porcarias. Sobejos, asas de galinhas já roídas, cebolas rejeitadas, olhos de peixe chupados, restos de osso buco, pirões gelados e feijões com gorgulhos.

PLANEJOU E PEGOU doença das amídalas. Vermelhas em brasa, tinha impressão de haver nascido giletes na garganta. Não desceria nem licor, vitamina de cupu, ou mesmo guaraná de açaí. Nem raspinhas de maçã ou banana batida no leite em pó e Nescau. A gula a aperreava e excitava. Um atrás do outro.

NÃO REGUJITOU NADA. Avesso. Com o mesmo apetite, ou ainda mais medonho, foi engolindo o que havia sido despejado na vasilha. Agora, um tronco de madeira cavado e fundo. Não conseguia mais se acomodar em tamborete que fosse, ficava de quatro – rabo pra cima e fuças atoladas na lavagem. Sorvia, quebrava no dente o que fosse rijo, e lambia o prato apesar da aspereza.

NÃO HAVIA MAIS a esposa do rapaz, mãe de alguns filhos, patroa de uma ou duas empregadas. Como foi deixando até de andar pelas ruas, becos e corredores de casa foi ficando deslembrada. Um dia, por descuido da fazedora de comidas, a porta ficou aberta e a imensa correu para o terreiro. Sumiu no meio da pocilga.

Quando o marido, que ficou viúvo com nove anos de casado me contou a história, lembrei de papai e sua capacidade de comer muito.

Mamãe conta que quando ele era novo abria aposta com os trabalhadores nas colocações do Rio Cardoso, afluente do Tapirapé, que é afluente do Itacaiunas. A disputa partia sempre de dois mutuns castanheiros. Cada um deles tinha de comer um cozido, sem arroz.

Depois de comer a ave, deveria beber o caldo. Depois, a diferença, para saber quem ganharia, a aposta estava no açaí. Quem bebesse mais seria o campeão. E papai nunca perdeu. Além do mutum, ele ainda bebia dois litros de açaí.

Ansiado, ia parar no igarapé, onde permanecia “de molho” por uma hora para ficar aliviado. E de aposta em aposta, o bucho quebrou, anos depois apareceram diabetes, pressão alta, triglicerídeos lá em cima e três AVC’s no espaço de dois anos.

E foi pela boca que morreu. Comeu um frango frito sozinho e foi parar no HMM e depois na Climec. Não resistiu.

Comer é um dos maiores prazeres da vida, mas é preciso fechar a boca antes que fechem nosso caixão tão cedo.